domingo, 5 de abril de 2009

Divagações de um velho romântico esquecido nas bibocas do mundo

Por: José Cícero
 
Em outros tempos quando o fantasma da tecnologia ainda não havia descaracterizado por completo a naturalidade das cousas e dos acontecimentos marcantes do nosso dia-a-dia interiorano, tínhamos por assim dizer, razões de sobra para acreditar no futuro por meio de um prisma diferente, isto é, sem este sentimento contraditório de que seria preciso abrir mão dos nossos valores. Justamente os mais importantes que ainda nos restam hoje.

Agora à medida que os anos correm levam também consigo, grandes atributos que outrora constituíam o esteio de toda uma tradição própria das gentes dos sertões. A fome insaciável desta pseudomodernidade segue destruindo sem perdão nem piedade, aspectos que dantes, nos tornavam diferentes dos que Euclides da Cunha chamava de caboclos "neurastênicos da capital". De modo que, quase tudo o que agora existe à guisa de novidade em nossos grotões é cópia mal feita, clone mal concebido; produto de uma padronização desenfreada que não faz bem a ninguém. Uma engenharia mancomunada das elites monopolistas tramada nos porões do neoliberalismo pós-moderno com o fito exclusivo de explorar até a última gota do nosso sangue e da nossa individualidade e liberdade.

Será que estamos condenados ao que Sartre denominou de 'mau da civilização?' Será que este é o único caminho que nos resta? Será que este é de fato um caminho sem voltar. Nunca haveremos de ter/construir uma rota alternativa?
Não deve ser normal a idéia, assim como o propósito dos que nos querem transformar em parcas mercadorias. Isso não é direito querer coisificar o humano com o interesse mercadológico.Temos o dever ao menos moral de nos indignar e dizer Não a toda esta farsa: ópera bufa destes argentários de merda! Além dos velhos políticos agindo lá em cima, como se raposas fossem a pastorear nossas galinhas dos ovos de ouro.

Por isso é urgente defendermos com unhas e dentes as nossas raízes sócioculturais, assim como os nossos mais elementares direitos enquanto cidadãos. O nosso folclore, as nossas mais autênticas manifestações da cultura popular. Tudo isso nós é fundamental. São nossos referênciais históricos que ainda nos mantêm ligados de alguma forma a nossa ancestralidade. Não podemos nos transformar numa geração de teleguiados. Sem idéias, sem crenças, nem individualidades, diferenças, amor-próprio, auto-estima e até o livre-arbítrio para pensar e puder escolher o que bem nos convier. Este modelo que nos impõem já nasceu fracassado e ferido de morte em suas próprias constradições. Não serve portanto ao conjunto da sociedade.

A padronização imposta pelo capitalismo, por intermédio dos meio de comunicação de massa, sobretudo a TV é algo visivelmente contrário à natureza humana. Não podemos aceitar toda esta orquestração, calados com a indiferença dos pulsilânimes. Por que assim estaríamos sendo, no mínimo, coniventes com todo este estado de coisa apodrecida.

Por que a modernidade teima tanto em não conviver em paz, em harmonia com os nossos valores tradicionais? A quem interessa toda essa pantomima? Por que querem pôr fim as coisas maravilhosas que ajudaram no passado a cimentar o caminho do nosso presente?

Por que querem transformar as pessoas do mundo em simples consumidores. Não somos mercadorias e, tampouco meros consumidores como querem nos fazer acreditar.

Não somos retrógrados, reacionários, saudosistas, românticos, apenas por querer trilhar um caminho diferente. Nosso novo amanhã dependerá do tipo de atitude que ousamos praticar no agora. O caos social está batendo a nossa porta e não suporta mais protelações...

Sejamos romântico e daí! Utópicos, poetas, sonhadores de uma nova realidade alicerçado no chão dos nossos antigos valores ancestrais.

Queremos de voltar a arte circense como no passado, forte, respeitada e construtora de sonhos e integração nacional. Queremos o retorno do trem como um transporte por excelência popular e propulsor do progresso, mesmo que os lobistas dos transportes rodoviários não o queiram. Queremos o cinema como no passado ajudando a educar o nosso povo. O teatro de mamulengo(o Casimiro coco), o violeiro, o artista, o vaqueiro, o artesão, o professor, o caboclo do sertão; todos eles detentores do respeito nacional e da garantia de poder sobreviver dignamente por meio do seu ofício e da sua arte. Queremos extipar o fantasma do êxodo rural. Queremos uma cidade diferente, feliz, fraterna, igualitária e segura para todos. Uma educação realmente de qualidade e gratuita, construtora do saber e da cidadania popular.

Queremos a prática do respeito à natureza, à fauna à flora como incentivos para uma convivência sustentável, harmoniosa baseada na ética, no respeito e na tolerância. Ainda como exemplos sólidos de relacionamento digno, pacífico e respeitoso com todos os nossos recursos naturais, bem como da própria caatinga sertanela/nordestina. Queremos o direito de acesso à terra, sobretudo para os que nela produz e mora. Aspiramos com os punhos cerrados a reforma agrária, assim como a sociedade igualitária e coletiva dos nossos sonhos.

Queremos as noites dos sertões enluaradas embaladas pelos cânticos sorumbáticos dos penitentes da ordem santa cruz ou de outras irmandades espirituais. Queremos o ecossistema livre da ignorância, bem como do louco desejo de lucro e de poder dos homens. Queremos dá um basta ao gregarismo barato, assim como ao orgulho, o preconceito e o egocentrismo dos idiotas.
Queremos de novo nossas bibocas e nossas cidades visitadas pelas caravanas de Ciganos com suas belas mulheres coloridas, quiromantes, exímios trocadores a encher nossos dias de eternas fantasias.

Queremos de novo todo o romantismo de um passado que nos fez pensar grandes sem, no entanto, ser preciso tirar os pés do chão para se enxergar as estrelas. Porque desta forma foi que aprendemos a acreditar verdadeiramente no futuro.
Deixemos que as estrelas do céu nos vejam mais fraternos com parcimônia e inteligência, brilhando assim como todas elas.

Por: José Cícero
Professor, escritor e poeta
Secretário de Cultura, Turismo e Desporto
Aurora – CE.

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